Do fogo foi forjado, e das chamas de suas mãos calejadas nasceu um odor acre de carne queimada. Um estupor nublou a consciência, mas é o gosto de sal e areia que chegou aos lábios, o fazendo lembrar. Mar e lavandas. Nem mesmo as labaredas eternas poderiam apagar as memórias. Faryeh olhou em frente.

Cinzas caíam como flocos de neve, tão frias quanto o olhar que se erguia ao longe. Mas Noé sorria. Um dia, ele amou aquele sorriso. Mesmo em meio à chacina, ainda conseguia se recordar de preces murmuradas na calada da noite, implorando por mais tempo, mais chances de deslizar os dedos pelos fios compridos e conservar aquele sonho inocente. Contudo, foram as escolhas dos dois que os levaram até aquela praia. O moreno sacou sua espada mais uma vez, o olhar decidido para o rosto do homem que, com um gesto, congelou a água debaixo de seus pés.

Ele ainda sorria.

Não havia como retornar aos dias plácidos de verão, quando cabelos ainda alcançavam costas e mãos se entrelaçavam debaixo de livros. Agora, estas só serviam para magoar e ferir. Atrás deles, cadáveres se amontoavam e seus olhos frios encaravam o fim do mundo. Sentiu o calor familiar das chamas. O sangue derramado evaporava ao entrar em contato com a pele marrom, enquanto gotas rubras pingavam das garras de Noé.

Eu o amo, quis dizer. As palavras dançaram em sua língua, o tentando, mas não permitiu que escapassem. Era demais, era prender os dois em demasia em uma promessa que não mais poderia ser cumprida no Fim da Jornada. Mesmo com a dor queimando seu coração, a espada estava erguida. Não havia mais Faryeh e Noé. Não havia como lutar contra as amarras do Destino.

— Venha, kharabêtamaquele que me arruinará. Vamos dançar uma última vez.

E como estava escrito, a morte os encontraria naquela praia.