fogáreu
brasas – 2
Abriu os olhos, e teve a certeza de que sonhava.
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Talvez por aquele cenário se repetir todas as noites sem exceções, mas era um fato que um ser de aura tão angelical só poderia ser fruto das mais criativas das imaginações. Não que a dele fosse particularmente brilhante, mas a visão à sua frente poderia apenas ser fruto apenas do ideário fantasioso de uma criança. A relva era de mil cores, alta e agradável, dela crescendo flores das mais diversas folhagens e perfumes. Pequenos lumes flutuavam no ar, acariciando seu rosto, preenchendo-o de uma paz que não existia em qualquer outro lugar do universo. Ao olhar para baixo, sua plumagem vermelha e dourada descansava contra a grama macia, um conforto aquém apenas do calor gostoso do colo de uma mãe.
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E então, ela estava lá, como sempre esteve, um pilar de luz incandescente. Um ser tão bom, de sorriso tão afável. Suas vestes brancas ao vento, seus cabelos negros compridos pinicando a pele vermelha e seu olhar se estendia ao infinito. Quando notou sua presença, o carinho que lhe despendia era imenso, o toque aveludado de seus lábios em sua testa. Essa era a parte boa do sonho. Todas as noites, Faryeh desejava acordar bem ali. E todas as noites, seu desejo nunca acontecia.
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Tão rápido quanto começava, o sonho mudava – o calor em seu interior se transformava em uma brasa, e então uma chama, para um incendiar de suas asas, o rasgo de fogo queimando a relva; o rosto escondido em meio a gritos de dor. Sempre havia um mero vislumbre de seus lábios, e de suas palavras finais enquanto ela desvanecia em meus braços e se desfazia em mil fragmentos fugazes que se espalhavam pelo ar.
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Está feito, ele pensava. O alívio que o atingia era eterno.
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E então, o inferno começava.
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O mundo acompanhava seus gritos de dor. Toda a criação ao seu redor começava a se desesperar, as lamentações perfurando os ouvidos e se tornando adagas no coração. A natureza o rejeitou por completo, e quando a pior das dores aflorou em seu peito, toda a sua pele queimou, libertando as plumas ao ar, e enquanto ele ardia em meio ao campo florido, todo o universo gritava consigo.
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Enquanto as brasas ainda ardiam, Faryeh sentia as marcas. Mas não era a dor delas que o acordava. Era a visão de outro ser, e toda sua raiva podia ser sentida em sua pele. Sua penugem se arrepiava, e quando a outra se aproximava, ele sabia que aquele era seu fim…
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— Pare de berrar, puto! — Bosta e mijo foram jogados em sua cabeça por um taverneiro mal-encarado. Faryeh acordou de um supetão ao sentir os líquidos molharem suas roupas, tornando-as ainda mais encardidas. Por um minuto, tentou se situar, apesar dos gritos em seu ouvido ao despertar. Olhou em volta, e entendeu. Era sempre um desafio procurar um abrigo da chuva, e naquela noite, Faryeh acabara por desmaiar de cansaço no estábulo de um hotel e agora, quando os primeiros raios daquela manhã fria de inverno acalentavam sua pele. O rapazote olhou para o cavalo ao seu lado, que descansava de pé, e considerou que ele era melhor companhia do que qualquer pessoa que estivesse dormindo naquela estalagem.
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— Ô maluco! Tira sua bunda suja daqui, cê vai acordar meus clientes com seu fedor! — E mais um balde com o conteúdo duvidoso passou por sua cabeça, e ele finalmente se levantou, pegando sua trouxa por debaixo do seu corpo e correndo dali.
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— Desculpe! — murmurou de volta, mesmo sabendo que jamais seria perdoado.
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Não era assim que pretendia começar o dia, mas não era um início muito incomum. Uma vez seguro, em uma viela, abriu a trouxa, verificando se ainda continha seus pertences. Não eram muitos: um pente de mármore de sua mãe e um anel que seu pai forjara para ela de ferro. O par dele ficara com seu irmão mais velho, mas a essa altura, com certeza estava debaixo de algum lamaçal de sangue e corpos em decomposição. Antes também tivera uma espada longa, mas essa fora vendida em troca de algumas peças de cobre para se alimentar. Agora, nem mesmo possuía bens para isso. Faryeh vivia de pequenas doações de comida, ou… bem, não havia honra entre ladrões, especialmente quando as pessoas rebaixavam o olhar para si ao ver as cicatrizes e queimaduras negras que cobriam seu corpo.
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Faryeh, um dia, queimou.
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Agora só restavam as cinzas.
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Começou a andar a esmo pelas ruas de Fogaréu, observando as sombras da cidade se transformarem em pessoas agitadas com o início do novo dia. Era inverno, e apesar de neve ser um conceito apenas encontrado em livros naquela região, Faryeh sentia o frio gelar seus ossos, especialmente por ter sido molhado com alguma substância de que seria difícil tirar o cheiro. Não costumava tomar banhos no inverno, mas decidiu ir até o rio próximo para se lavar, porque a imundície costumava afastar qualquer ajuda que receberia. Tentaria arranjar alguma comida também, embora o estômago já esperasse as sobras da senhora Lutz, que era uma taverneira não tão gentil, mas sempre disposta a se livrar do resto das comidas antes do serviço da noite. Com o Sol começando a nascer, no entanto, tinha muito tempo a esperar até lá. Tempo de sobra para ao menos um banho e talvez, algum trabalho.
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Quando o tempo era mais afável, Faryeh trabalhava nas fazendas de grãos, mas o soldo já se esgotara, assim como o trabalho temporário. Era seu segundo inverno naquelas condições, e cada vez mais as propostas de homens ricos da cidade interna ficavam mais tentadoras, embora os outros meninos sempre o alertavam de não aceitar. Por causa dos cabelos compridos e aparência mirrada, Faryeh parecia uma menininha, e muitas vezes sofreu por isso. Não havia muitos motivos para manter o cabelo daquele tamanho, mas…
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as mãos carinhosas por seu cabelo, trançando-o
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não corte-os, Faryeh, é tradição apenas cortar após seu casamento
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E ele desistia do pensamento. Muitas vezes ele os trançava de qualquer jeito, mas era sempre um alvo fácil para alguém que quisesse atingi-lo. Estava ficando mais ágil, tanto para fugir quanto para se esconder de ataques desse tipo. Mas o estômago o deixava fraco… ainda era assombrado pelas memórias de um guisado quente com arroz recém-feito, o gosto da carne e temperos que tanto desejava ter de novo. O gosto misturado com as memórias do sangue escorrendo de suas mãos… o monstro de garras sobre seu peito, arranhando sua pele
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e o fogo
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Ele fechou os olhos mais uma vez, o gosto de carne tornando-se um de cinzas.
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O rio não ficava muito distante do muro externo da cidade. Fogaréu tinha duas divisórias para protegê-la de ataques, mas desde o último ataque não-humano, a dita fortaleza impenetrável caíra. Os muros de esmeralda caíram, mesmo as histórias contando que ele havia sido criado pela própria Deusa da Terra, em tributo à Deusa do Céu que habitava o Templo de Fogaréu. Sua principal função era repelir os inimigos, ao menos era o que ouvia em sussurros apavorados dos adultos em tavernas. Agora, o que seriam deles? Com a guerra ainda a toda, e a possibilidade de um ataque cada vez mais próximo… Seria o exército capaz de salvá-los? O muro de jade ainda persistia, mas… Às vezes, Faryeh considerava que ele fora feito para conter algo de dentro do que inimigos. A podridão dos mais ricos, que festejavam enquanto eles passavam fome.
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Às vezes, Faryeh desejava que o exército não-humano matasse a todos.
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Faryeh sentiu a brisa fria, e do alto do monte onde estava, conseguia vislumbrar o rio. Corria até o mar, diziam, mas ele nunca vira o mar, então parecia igualmente uma lenda distante. Nunca fora muito além do terreno da ferraria, que apesar de não possuir mais, era seu legado. Não que o caminho até o rio passasse por sua casa, mas… ele sentia falta, às vezes, de algum senso de normalidade.
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Ou um teto sobre a cabeça, Faryeh ponderou, seus passos o guiando para observar o passado. Não sobrara muito da casa. A fornalha resistia, por ter sido feita para resistir a qualquer chama. Mas a casa em si foi destruída pelo incêndio, a marca enorme de queimadura deixando-o sem lugar para retornar. Irmão, pais, teto… Não lhe restava nada, a não ser a dignidade. E isso, agora, a fome extinguia aos poucos. O que o Destino reservara para ele? Uma morte sem honra, ou um fim insalubre? Que ao menos fosse rápido, ele desejou.
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Era sempre um evento admirar a casa. Poucas pessoas ainda viviam em volta, porque o incêndio também ceifara seus lares, mas eles foram capazes de reconstruir a vida em outro lugar. Faryeh ficou no passado. Por que não acabar com a própria vida? Ninguém haveria de ligar, e ainda assim, ele continuava a persistir. Quinze invernos vividos em pura agonia, mas mais do que a si próprio, a esperança era difícil de matar. Apenas resistir um dia a mais por vez… Pelo quê?
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eu vou voltar por você, Faryeh, prometo
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Com as memórias amargas em sua boca, andou pelos escombros, procurando o canto que sempre usava para dormir. Não havia muito mais do que cinzas do que um dia já fora, mas quando a noite estava quente e calorosa, era ali que se deitava para conversar com os mortos e procurar alento. Não que eles costumassem responder.
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Em segredo, sua voz naquelas noites era uma prece de uma fé vacilante. Uma resposta dos Deuses era tudo o que desejava. Mas noite após noite, seus pedidos seguiam sem serem ouvidos, e até a esperança morria aos poucos.
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Abaixou-se na frente da casa, com medo de entrar. Muitas memórias ecoavam, mas principalmente, da última vez que tentou, uma viga ameaçou cair por cima de sua cabeça. Talvez, algum dia, alguém construísse algo bom ali. Mas aquela casa era maldita. Ninguém, além dele, se aproximava, por medo de contrair a maldição. Ele próprio desconfiava de algo do tipo. A queimadura negra era persistente ao tempo. Faryeh a encarou por tanto tempo que poderia ser absorvido. Aquele terreno todo era mal-visto.
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Por isso, ver uma réstia de branco entre os escombros chamou a sua atenção. Ergueu o olhar, procurando entender. Parecia que uma criança estava a brincar nos escombros. Virou o rosto em sua direção e se levantou, caminhando até ela. Céus, era mesmo uma criança, não devia ter metade da altura de Faryeh. Ela usava um vestido de um material que parecia muito caro, de tom alvo, mesmo que a ferraria estivesse cheia de cinzas. Elevou a voz, preocupado. Ela poderia se ferir…
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— Menina, é perigoso aqui!
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Ela se virou, a cortina de seus cabelos ébanos cortando o ar como um chicote. Faryeh espremeu os olhos. Suas feições eram familiares, como se ele já a tivesse visto antes, mas não se recordava de quando, porque Faryeh não tinha contato com a parte da nobreza de Fogaréu. Apesar disso, ela estava descalça, os pés mal tocando o piso cheio de terra e cinzas. Mas ao encarar seu rosto, ele perdeu o ar.
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Seus olhos eram vermelhos. Como os de um não-humano.
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Faryeh sentiu o corpo tremor. O que uma criança não-humana estaria fazendo naquele lugar? Ela era perigosa? Era a inimiga de seu reino, e a raça dela tinha matado seus pais… mas Faryeh estava indefeso. Não tinha como…
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o fogo
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Mas… ele tinha que fazer algo, não?
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Ele sentiu seu interior queimar ao lembrar das chamas, sentindo o familiar enjoo que elas traziam além do calor de suas mãos. Ele nunca conseguiu controlar as chamas totalmente — a prova estava ali, a queimadura negra na terra como uma cicatriz disforme — mas… se ele conseguira matar uma vez, talvez…
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No entanto, o fogo, tal como começou, desapareceu. Faryeh começou a ficar em pânico. A menina se virou, ainda com a expressão neutra. Ele se abaixou, pegando uma das madeiras soltas, mas o pedaço de madeira tornou-se cinzas em segundos diante da pressão. Depois de tantos anos, não havia qualquer coisa com a qual se defender. Nada da ferraria de seus pais, e nada útil para os outros.
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A garotinha sorriu para ele, um floco inocente e alvo no meio do negro. Seu coração afundou. Era seu dever matá-la, e em especial por vingança… A raiva vinha em ondas, mas a hesitação era como uma grande represa. Sim, a raiva e o ódio e o medo se misturavam naquele mar, mas ao mesmo tempo, Faryeh tinha ciência de que era apenas uma criança. Não deveria ter mais de dez anos. Não muito mais nova que ele próprio. Conseguiria ele ter a frieza de acabar com uma vida tão jovem? Enquanto ele se dividia, os passos dela se decidiam, e se aproximaram dos dele.
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— Faryeh das Cinzas, você é realmente muito gentil. — Antes que ele pudesse retrucar, ela continuou. — Seu Destino o aguarda.
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— Como sabe meu nome? O que você quer aqui?
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Sua expressão era de uma calmaria infinita, e colocando uma mão aos lábios, pediu silêncio. Faryeh ainda a encarou, incrédulo e sem entender o objetivo da criança, quando passos ao longe o atiçaram, e ele se virou na direção do som.
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— Você, moleque! Pare aí!
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Ele tremeu: eram dois guardas enormes, trajando armaduras de metal batido e parecendo furiosos. Normalmente eles só reclamavam de vadiagem depois do pôr-do-sol, mas não era difícil eles arranjarem um motivo para lhe espancarem. Faryeh pensou em correr, mas antes que pudesse ir muito longe, seu braço foi agarrado, a pele morena e marcada exposta ao Sol.
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— Desculpa! — pediu de imediato, temendo outra surra. A primeira tinha sido ruim, a segunda também, e particularmente, não desejava uma terceira. — Não tenho nada a ver com a não-humana!
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— Que merda você está falando?
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— A garotinha… — Apontou para os escombros da ferraria, mas assim como ela apareceu, sumira na mesma respiração. Os olhos de Faryeh se arregalaram. Será que ele estava começando a ouvir e ver coisas? Estaria mesmo ficando louco? Ou ela conseguiu escapar sem vestígios?
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— Ele é louco, Pierre — um dos guardas comentou para o outro.
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— Parte delas é bosta, sim… — Teve de concordar. Ainda não tinha tomado banho, e aparentemente nem iria mais. — Mas eu nasci com elas.
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Um guarda olhou para o outro, e então, disse:
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— Venha conosco.
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Ele deu um passo para trás. Sabia que correr era a melhor opção quando se tratava de porcos como aqueles, mas eles repararam na sua postura de esquiva, e um deles segurou com mais força seu braço e ombro antes que fugisse.
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— Ei! Vocês não podem me prender por ter marcas!
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— Calado, moleque. O Rei está procurando um rapaz com a sua descrição.
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— O que você fez? Roubou as joias da coroa? — um dos guardas riu da sua própria piada sem graça.
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— Não, eu não fiz nada…
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— Não importa o que você fez ou não fez. — O guarda deu de ombros. — Vai ter que pagar as contas com o Rei, agora.
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Deu uma última olhada para a ferraria, o conhecimento de que seria a última vez que a veria afundando o estômago. Nenhum vislumbre de branco, no entanto. Ele fechou os olhos, resignado, e aceitou o destino.
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Eles o arrastaram, e apesar de Faryeh não oferecer nenhuma resistência, não quer dizer que tivera o melhor dos tratamentos. Xingamentos e maldições quanto ao seu cheiro (que eram seguidos de pequenas desculpas não aceitas) acompanharam seus ouvidos até chegarem ao Portão de Jade. Era onde aconteciam a entrada e saída da cidade interior, e seus olhos se abriram. Eles realmente o levariam até o Rei? Que reviravolta mais digna dos contos de fada… O que quer que Faryeh fizera, certamente fora uma ofensa gravíssima, e esperava pagar com sua vida. Ao menos seria o fim de sua existência miserável. Ele fechou os olhos e deixou ser arrastado. Os guardas não tiveram problemas para lhe dar passagem, e quando os portões fecharam atrás de si com um estrondo, Faryeh soube que sua vida anterior acabara de ser deixada para trás.
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As casas eram arrumadas, ao contrário dos escombros da cidade de fora. Todas de madeira, algumas de até dois, três andares. Os cidadãos passeavam com tranquilidade, exibindo suas bolsas de ouro presas a cintos na cintura. Perguntou-se se teria coragem de roubar ali, a essa altura da vida. Se o Rei o liberasse com vida, talvez conseguisse alguma coisa na Cidade de Dentro…
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Embora os olhares sobre ele fossem como se fosse a mais abissal das criaturas, uma mácula naquela cidade perfeita. Foi arrastado por mais alguns metros, porque os guardas marchavam em um ritmo rápido demais para ele. Em poucos minutos, chegaram à entrada do Castelo. O pânico atingiu a sua garganta ao ver os portões decorados de ouro, mas os guardas o arrastaram para uma das entradas laterais. Faryeh passou por corredores escuros e úmidos, com algumas portas dando para os alojamentos dos servos, todos vazios àquela altura do dia. Em poucas passadas chegaram à cozinha.
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Era interessante ver o quanto a Guerra havia afetado a população. Ser Rei tinha seus privilégios, mas seus servos exibiam as marcas da guerra; cicatrizes e grandes queimaduras enfeitavam as peles dos servos, mesmo debaixo dos grandes saiotes de seus uniformes. Uma das mulheres, cuja manga estava presa ao saiote por não possuir o braço inteiro, tirou uma fornada de pãezinhos quentes de dentro da assadeira, e o cheiro fez o estômago de Faryeh roncar audivelmente. Ela o olhou, primeiro com nojo, então com pena. Sabia qual seria seu destino.
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Nem teve coragem de pedir algo, mesmo com a fome apertando as entranhas. Com mais algumas passadas, deixaram a cozinha, e a decoração simples dos corredores tornou-se cada vez mais suntuosa. De repente, os candelabros eram de ouro, a prataria reluzente, a decoração das paredes em mármore. Como se o verdadeiro tesouro estivesse bem mais à frente. Nem imaginava o luxo de um quarto da realeza, o quão suntuoso seria.
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Chegaram a uma porta, e Pierre, um dos guardas, se empertigou, largando-o por fim.
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— Vou precisar de dois banhos para me livrar do seu fedor — ele reclamou.
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— Três, meu amigo — o outro comentou. — Três.
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Não era uma ofensa, por se tratar da verdade. Faryeh fedia. Por que, então, precisava se apresentar ao Rei naquele estado? Não teve tempo de indagar, quando as portas de pedra branca se abriram e convidaram toda a luz para invadir seus olhos. Demorou um pouco para se acostumar com a claridade, e absorver todo o salão principal. Ele tinha um pé direito alto, e era vasto em sua expansão. Um carpete confortável e macio estava sob seus pés descalços, o tom vermelho como o sangue. A luz entrava e se refletia nos vitrais, e pelo que pode ver, eles contavam a história de como a Deusa Fênix acordou neste mundo para salvar os humanos. Aos poucos, a Fênix ia nascendo e atrás do altar, existia uma grande estátua da Deusa, com sua plumagem avermelhada e alaranjada. Faryeh se sentiu muito pequeno.
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Abaixo da estátua, estavam dois tronos. Um pertencia ao Rei, pois ele estava sentado em um deles, suas robes compridas tocando o chão e distribuindo beleza conforme a luz do sol refletia arco-íris de suas pedras. Era fascinante e o deixava completamente cego.
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Um dos guardas o empurrou:
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— Adiante, moleque.
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Caminhou, chegando perto das escadas que davam para o trono. Do alto dele, o homem parecia imponente. E também, um pouco entediado. Suas mãos seguravam seu rosto e ele ameaçou bocejar pelo menos umas três vezes até que ele chegasse perto. Depois, se empertigou.
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Era uma visão muito diferente de si e mesmo das pessoas da cidade de fora. A pele de Faryeh era marrom, marcada por marcas negras de queimaduras. Ele, não. Sua pele era alva como leite, e provavelmente medicada com tal. Faryeh sequer se lembrava da última vez da qual provou daquele líquido, enquanto em suas mãos havia um cálice feito de ouro, e ele o mexeu um pouco antes de falar.
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— Qual o seu nome, meu jovem?
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Ele engoliu em seco. Estava sendo avaliado dos pés à cabeça, e o resultado não era bonito.
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— Faryeh. Faryeh das Cinzas.
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— Um órfão de Guerra?
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— Sim. — Suspirou pesaroso. — Meus pais faleceram na invasão da cidade baixa.
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E as memórias me aterrorizam até hoje.
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O rei apenas continuou com aquele sorriso secreto, como se estivesse avaliando uma mercadoria interessante da qual teria que pagar bem pouco. Como se ele precisasse pagar algo no reino sendo o Rei de Fogaréu.
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— E estas marcas, meu jovem?
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— De nascença, Vossa Majestade. Meus pais diziam que vim ao mundo com elas, e sairei dele com elas.
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— Não lhe incomodam?
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Aquelas perguntas eram estranhas, mas quem era ele para refutar uma pergunta do soberano? Ele estava curioso demais para que fosse apenas uma visita real comum. Estava começando a desconfiar que ou era uma brincadeira de mau gosto, ou Faryeh estava ali para ser morto. O motivo, ele não fazia a menor ideia.
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— Um pouco. Os olhares machucam mais.
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— Não há ninguém mais que lhe olhe com gentileza?
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Encarou os pés. Havia alguém, mas… Do que adiantava relembrar os mortos?
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— Foi há muito. Meu irmão.
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Aquela pequena informação pareceu entreter o velho, que se aconchegou mais em seu trono e o encarou com uma expressão divertida. Como se ele soubesse de algo que Faryeh não. E aquilo o irritou um pouco. Pessoas ricas eram sempre condescendentes com pessoas de sua condição. Ele não era mais esperto só porque tinha nascido em berço de ouro.
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— Ele não se encontra mais entre nós?
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— Acredito que não. Ele foi para a Guerra, senhor.
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— Vossa Majestade! — um dos guardas o corrigiu, e Faryeh endireitou a coluna no processo. Era difícil, aquela vida de realeza. Ter que seguir regras e condutas e ser absolutamente perfeito. Nunca conseguiria se acostumar com aquilo.
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— Ele foi para a Guerra, Vossa Majestade — corrigiu-se, e o guarda assentiu.
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— Perdeu a vida nela?
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— Sim. Um colega de seu batalhão me disse que ele perdeu a vida explorando o território inimigo. Como grande parte do exército o fez, não tenho motivos para acreditar que meu irmão tenha sido uma exceção à regra.
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— Não coloca fé na força de seu irmão?
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— Claro que coloco. Mas vi a desgraça que aqueles demônios trazem… Gostaria de pensar que sim, meu irmão está longe e feliz, mas a cada dia que passo nesta Terra percebo que não existe essa coisa chamada gentileza. Ehre o era demais para este mundo.
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O homem murmurou, satisfeito.
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— O rapaz é sagaz. Com alguma ajuda, quem sabe, Ehre… Ele daria um bom herdeiro.
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Os olhos de Faryeh se arregalaram quando as portas do lado se abriram, e uma voz profunda, mas muito familiar, disse com um sorriso:
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— Tenho certeza de que Faryeh não irá decepcioná-lo, Vossa Majestade.
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— Ehre! — Não era possível. Seu irmão morreu na Guerra. Não? Faryeh correu até o mais velho, os dedos tocando as roupas alvas e limpas e caras. — Está vivo!
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Era Ehre, e ao mesmo tempo, não era. Seus trajes eram elevados para a classe social deles, as robes também brancas e uma pequena coroa de prata em seus cabelos, que estavam mais compridos desde a última vez que os vira, quase tão longos quanto os de Faryeh. O dele estava enfeitado com pequenas fitas douradas e acessórios de ouro e prata. No seu pescoço, colares desciam até a cavidade de sua roupa, e anéis com pedras coloridas decoravam seus dedos.
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Mesmo bem-vestido, a primeira reação de seu irmão foi abraçá-lo, e por um momento, Faryeh perdeu-se em memórias. Era seu irmão que estava ali, vivo, depois de todos esses anos procurando por algo familiar e não encontrando. Apesar de todo o cheiro almíscar dele, ainda conseguia sentir vagamente o de cinzas, o amargor da fornalha. Até mesmo a forma que se agarrava a si, com o mesmo afã e mesmo carinho era igual. Era mesmo seu irmão, e nada mudaria aquele fato.
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Ehre parou para observá-lo. Sentiu vergonha de seus membros magros e flácidos, de sua barriga que ainda roncava. Apenas sua altura era considerável para a sua idade, mas Faryeh era um rapazote franzino e feio, enquanto seu irmão era um homem forte e parrudo, pronto para liderar um exército.
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— E você também. — Ele sorriu para ele, que sentiu um pouco mais de paz. — Já é quase um homem feito. Descobri o que houve com nossos pais, e fiquei preocupado que tivesse o perdido também, Faryeh.
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— Ehre… — ele murmurou, afundando o rosto em seu pescoço, para se recordar de seu estado. — Ehre, estou imundo! Vou lhe sujar! — O rapaz deu dois passos para trás, preocupado.
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— Não se preocupe. Não há lugar no mundo que eu prefira estar que não nos seus braços, Faryeh.
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Ele correspondeu ao abraço, sentindo lágrimas quentes nascerem em seus olhos, mas a moça que vinha atrás de Ehre tinha uma expressão de nojo no rosto. Ela também vestia vestes brancas e uma saia rodada, cheia de tule por debaixo para aumentar o volume. Em suas mãos, um leque branco e dourado, combinando com seus cabelos loiros e a diadema em sua cabeça.
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— Argh! Que cheiro vil é este? — Ela virou o leque para si, escondendo o rosto, enquanto o de Faryeh esquentava. Ehre soltou uma risada selvagem, que pareceu ofendê-la.
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— É o fedor de Faryeh. Tenho certeza de que sairá com um banho ou dois.
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Ouviu a mulher murmurar:
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— Nem toda a água termal do castelo irá acrescentar-lhe nobreza, caro Ehre… — Estava acostumado a ser xingado, mas Ehre pareceu irritado com ela. Ele se virou rapidamente para a moça, com um sorriso tranquilizador.
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— Minha querida Princesa Leise, terá que se acostumar. Este é Faryeh, meu irmão. — E com um sorriso, anunciou:
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— O príncipe herdeiro.
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Que reviravolta, não é? Você acordar com um banho de fezes, à tarde, tomar banho de ervas??? Realmente, não é todo o dia que acontece! Parece que é o destino…
E você, qual é o seu sabonete e shampoo favoritos? Eu certamente gosto de sair bem perfumadinha do banho com meu sabonete dove de amendoas!!
Lembrando que dá pra ler adiantado no meu apoia.se!
Nos vemos na sexta,
Lacie
Sync tem tantas frases de efeito, e digo isso do melhor jeito possível. São essas pequenas pausas que fazem a gente quase que reavaliar onde estamos pisando E ENFIM JÁ DISSE QUE AMO ESSA HISTÓRIA HOJE?
sdkljskdljsd EU AMO FRASES DE EFEITO <333 obrigada por amar essa história tanto quanto eu ;_;
Ihhhhhhh
#plottwist
siiim