Lacieverso

capítulo 7

desalento

O caminho para a minha “base” consistia em uma pequena caminhada, que se iniciou do ponto de ônibus em frente da encruzilhada da casa de Dave — que, por insistência deste, pediu para ser acompanhado até a minha residência —; então o trajeto usual de ônibus. E, naquela calçada, me pareceu muito diferente daquela caminhada da vergonha da madrugada, visto que foi preenchido por muita conversa e risadas, as quais eu não estava acostumado.

A diferença era significativa, e eu não saberia dizer se eu desgostava. Os músculos da minha face doíam um pouco de rir das piadas e tiradas que somente um par como Alex e Dave poderiam fazer, tamanha a intimidade entre eles. Era óbvio que os dois se gostavam bastante. E aquilo alimentava o pequeno buraco negro em meu coração, aquela pequena voz que às vezes gritava que tudo estava errado, que eu não pertencia ali.

Ciúmes, Jesse?

Mas então, Alex segurava a minha mão discretamente, e eu me encaixava em sua órbita.

Quando chegamos no ponto de saída, o céu cinzento anunciava que não tínhamos visto o final da frente fria.

— O inverno está chegando — Dave anunciou, sombriamente.

— Você nem gosta dessa série.

— Eu tenho que admitir que é uma frase marcante, e muito relevante para o nosso momento atual.

— Dave, o inverno vem uma vez a cada ano. Eu acho que você é grandinho o suficiente pra saber disso já.

Dave bufou e se abraçou. Ele vestia mangas compridas, com uma mancha gráfica, que já se desgastava pelo tempo. Leggings e botas completavam o look, mas talvez não tivesse sido a melhor escolha para aquele momento do ano. Alex estava lindo, é claro. Era difícil aquele homem parecer menos do que maravilhoso. Estava com um casaco de couro, jeans e botas de combate. Ele parecia bastante confortável, e eu queria beijá-lo naquele momento, no entanto, estávamos no meio da rua das Margaridas, e aquilo significava muito perigo.

— Vamos — urgi, e seguimos andando até a casa número vinte e quatro; e foi com alguma surpresa que os dois pararam atrás de mim ao ver o imóvel.

— Uau…

— O que foi?

— Jesse, você não falou que você era herdeiro… — Alex assoviou enquanto admirava a casa. — Isso aqui é realmente o sonho americano, a casa grande de cerca branca que cabe dois filhos e meio.

Dave riu.

— Alex, você realmente escolheu bem o seu par. Vai fazer um bom casamento.

Nós dois coramos, se fosse possível Alex ficar ainda mais vermelho. Eu apenas peguei as minhas chaves e enfiei-as nas fechaduras, apressado, queria terminar aquele momento de embaraço.

A casa me cumprimentou com seu silêncio acolhedor. A verdade é que eu me sentia mais em casa quando não havia ninguém lá, e isso era raro, porque, devido aos horários da faculdade do meu irmão, era quase impossível não o ver ali com o namorado. Ou quase-namorado, que seja. Mas, aparentemente, eu tirara o passe livre da prisão, e tinha a casa inteira para mim.

Que maravilha.

— Sejam bem-vindos… — falei para os meus convidados, enquanto tirava os sapatos, e os coloquei na sapateira esperando que eles fizessem o mesmo.

Dave não esperou que Alex terminasse de tirar os sapatos para começar a explorar a casa.

— Uau! É tudo tão grande!

— É uma casa comum por aqui. É como se o molde fosse o mesmo e eles entregassem a mesma mercadoria.

— Mesmo assim, é incrível! Espaçosa, e… olha essa cozinha, Alex! Conceito aberto!!

Enquanto Dave corria para explorar a cozinha, Alex riu ao meu lado e aproveitou para chamar a minha atenção.

— Peço desculpas por ele. Quando se empolga com algo…

— Eu sei, é maníaco.

— Um pouco. — Olhei para o lado. Dave já tinha sumido. Para onde ele havia ido? — Espera, eu queria fazer algo…

— O quê?

Eu me virei e senti o toque dele em meu queixo. Sem falar mais nada, ele se curvou, aproveitando da nossa diferença de altura devido ao pequeno andar, e me beijou. No começo, não foi mais nada que um pequeno prensar de lábios, mas quando ele tentou se afastar, meus braços envolveram seu pescoço e, com minhas mãos em sua nuca, explorei seus cabelos e o puxei para mim; eu diminuí a distância entre nós, quase inexistente àquele ponto. Sua língua tocou o interior da minha boca, e fiquei muito grato naquele pequeno embate, me perdi mais uma vez em sua galáxia. Meus olhos viam apenas estrelas esverdeadas atrás de meus cílios.

Eu não era homem de deixar oportunidades passarem.

— Olá — ele disse, e me olhou nos olhos, corado, ainda comigo nos braços.

— Bem-vindo à minha casa, Alex Morris. — Eu ri.

— Estou sendo bem recebido, sim, Jesse Bennett. — Ele acariciou meu rosto.

Ouvimos um pigarro.

— Vocês vão ficar se agarrando aí, ou o Jesse vai nos apresentar ao resto da casa?

Eu preferia muito mais ficar me agarrando em cada cômodo da casa com o Alex, mas me resignei, dei um último beijo no Alex, e me afastei.

Em algum lugar de minha mente ficou registrado que aquele era meu primeiro — e segundo — beijo com Alex.

— Alex, você pode começar a preparar a pipoca doce que nós compramos? Venha, não é muito difícil, vou deixar as panelas em cima do fogão…

Fomos até a cozinha, e expliquei rapidamente como o fogão funcionava.

— Dave, já que você quer ver o resto dos quartos, você pode me ajudar a pegar os consoles no andar de cima.

— Argh, por que o trabalho braçal fica todo pra mim?

Alex riu.

— Você fala que o trabalho braçal fica com você porque nunca fez caramelo, meu caro. — Enquanto saíamos da cozinha, Dave deu língua para ele.

— Eu tenho você como meu escravo pessoal pra isso!

E subimos, em silêncio, até o andar de cima. Mostrei primeiro o banheiro que dividia com meu irmão, o quarto da minha mãe, que era a suíte principal, meu quarto

o lugar onde supernovas nasciam

onde Dave se demorou mais, analisando seus recantos. Era a primeira vez, em muito tempo, que eu deixava alguém adentrar aquele recinto, então eu fiquei muito travado e tenso. Era como se pudesse ver dentro da minha alma. O que era ridículo, era apenas um quarto. Mas era tudo, e não era nada.

— Hmm… — O olhar de Dave foi para as paredes em um tom de cinza gelo, e para os poucos móveis encostados contra elas, em seguida, para a televisão, que estava desligada. A estante com poucos livros. O guarda-roupa aberto e com roupas sujas saindo por ele. O computador desligado em cima da escrivaninha, que não era ligado há dias. — Sabe, eu sempre acho que objetos contam uma história.

— É mesmo?

— É meu trabalho, como escritor, desvendar a história das pessoas. Descrevê-las, eu diria.

— E como você me descreveria, então, Dave? — Eu ri, ainda nervoso.

Dave deu uma olhada pela janela.

— Eu acho que você é a loira misteriosa que aparece para apimentar a história. Aquela que faz o personagem principal se apaixonar perdidamente e cometer erros. — Dave se virou para mim. — Ah. Não estou dizendo que Alex é o personagem principal da nossa história, no entanto. É só um exemplo.

Ri de novo, dessa vez bem desconfortável.

— Mas isso não muda o fato de que ele está bem caidinho por você. Nunca o vi tão apaixonado dessa forma.

Aquilo era informação nova para mim.

— Ele disse algo para você…?

— Ah, não, mas eu sei. Não se preocupe. Eu tenho certeza de que o relacionamento de vocês tem futuro. Pode investir pesado, menine.

Ao invés de uma supernova, era como se uma pequena estrela tivesse nascido. Não uma pequena estrela. Um Sol. Algo que brilhava dentro do meu peito.

Uma esperança.

Pior.

Uma expectativa.

— E se eu não quiser nada com ele? — fiz um muxoxo, mas Dave riu abertamente.

— Bem, aí eu teria que recomendar minha psiquiatra pra você. Porque você parece perdidamente apaixonado pelo meu melhor amigo, e eu duvidaria da sua sanidade se você recusasse namorar com ele.

Não respondi, até porque, eu não sabia direito dos meus próprios sentimentos. Eu sabia que o que eu sentia por Alex era diferente dos meus sentimentos por Kurt, por exemplo, porém, era uma bagunça extremamente complicada.

Não sabia o que pensar, portanto, adiaria pensar sobre aquilo.

— Não se preocupe. Não vou invadir sua privacidade mais. — Ele deu de ombros. — Onde estão seus consoles?

— No quarto do meu irmão.

— Ele não vai se importar se você entrar e pegar?

Por um momento, pensei em pegar o celular e mandar uma mensagem e pedir por permissão, mas quem havia pagado por aqueles consoles fora eu e meu suado dinheiro de modelo vivo; se eles estavam no quarto do meu irmão, era apenas porque ele utilizava mais do que eu.

— Ele nem está em casa.

— Tudo bem então. Avante!

Seguimos pelo corredor, e eu abri a porta em frente ao meu quarto para a visão do quarto do meu irmão iluminado à meia luz, e a visão do traseiro branco do meu irmão… e mais algumas coisas.

— Jesse! — Chase e Mitchell gritaram.

— Merda!

— Epa. — Dave colocou as duas mãos na boca, enquanto eu fechava a porta com velocidade, mas não rápido o suficiente para não ter a imagem gravada na minha mente. — Acho que seu irmão estava em casa no final das contas, né?

— Vamos embora — determinei, no entanto, eu conseguia ainda ouvir barulho de pessoas se vestindo dentro do quarto, e ouvi a voz do meu irmão.

— Jesse! Espera, por favor!

E me senti em conflito. Eu não podia simplesmente fugir da casa de novo, porque estava com convidados, mas eu não queria encarar Chase na frente de Alex. Aquela situação era muito embaraçosa. Dave, no entanto, parecia achar aquilo tudo muito divertido, pelo sorriso em seu rosto. Eu queria socar algo. Ou alguém. Ou fugir.

A indecisão me fez ficar no lugar por tempo o suficiente para Chase abrir a porta de novo, com Mitchell colado logo atrás.

— Jesse… desculpa você ter visto isso. — Se eu nunca tinha visto meu rosto corado no espelho, Chase era um ótimo reflexo agora. — Eu mandei mensagem mais cedo perguntando se você estaria em casa, você não respondeu.

— E a culpa agora é minha?

— Meio que é sim. — Dave deu de ombros.

Chase olhou para Dave pela primeira vez.

— E você é…?

— Dave Collins. Amigo do Jesse. Pronomes ele/dele. — E ele faz a barra gesticulando no ar. — Presumo que você seja o irmão gêmeo, o qual ele não fala, e você o namorado do irmão gêmeo, o qual ele nunca mencionou. Por favor, seja o namorado do irmão gêmeo o qual ele nunca mencionou, senão a situação vai ser ainda mais embaraçosa.

— Chase Bennett — Chase se apresentou. — E este é Mitchell Harrison. Meu… amigo.

— Ah, qual é. — Eu revirei os olhos.

— Bem, de qualquer forma, por que você estava entrando no meu quarto, Jesse?

— Tenho convidados em casa, não é óbvio? Ia pegar o PS5 e o XBOX. Nada demais. Não ia ler o seu diário.

Chase pareceu corar mais ainda.

— Eu não tenho diário!

— Tem sim. Guarda na gaveta da escrivaninha.

Mitchell ergueu uma sobrancelha ao ouvir isso.

— Fala sobre mim?

— Não tenho diário, afe! Pegue logo os consoles e me deixe em paz, se é o que quer!

Gesticulei para Dave, e entramos no quarto. Estava abafado e com o cheiro que eu conhecia muito bem, mas tentei ignorar e cumprir o objetivo com rapidez para poupar ainda mais esse embaraço. Quando estávamos saindo, Chase já tinha sentado na cadeira, enquanto Mitchell ainda estava de pé ao lado dele, e eu então disse algumas palavras de despedida:

— Pelo menos tomem banho. Separados. Por favor.

— Vai se foder, Jesse!


Descemos as escadas e voltamos para a sala, onde Alex estava com dois baldes de pipoca, um doce e um salgado, sentado no sofá, comia distraidamente.

— Estava quase indo atrás de vocês — ele comentou, mas parecia muito bem confortável na sua posição. — Entraram num portal para outra dimensão no andar de cima?

— Engraçadinho — eu disse.

— Você não vai acreditar! — Dave correu para se sentar ao lado de Alex.

Enquanto Dave recontava as aventuras do andar de cima, eu me ocupava com a fiação e consoles para nossa diversão; e quando finalmente acabei, meu olhar seguiu para a janela, onde vi que uma chuva rítmica havia se iniciado. Esperava que ela não piorasse, mas era verdade que eu não me lembrava da previsão do tempo daquele dia. Peguei meu celular e fiquei meio atordoado ao ver que a previsão era de chuva, com possibilidade de granizo até, para a noite toda.

Aquilo era um problema…

— Pessoal…

— Ah, você terminou de montar?

— Sim, mas vocês viram a previsão do tempo de hoje?

— Não acredito em previsão do tempo. — Dave foi categórico.

— Como assim?

Alex suspirou.

— Dave acredita que previsão do tempo é uma conspiração do governo. Por favor, não peça mais explicações. Não temos horas suficiente no dia para as teorias malucas do Dave.

— Mas é real!!

— Sim, sim, eu sei, eu sei. — Alex suspirou de novo. — E eu não olhei, porque meu celular está mais para lá do que pra cá. Está cada vez mais difícil usá-lo.

— A previsão é de temp…

— Jesse?

Uma tempestade se formou bem ali, naquela sala. O primeiro raio descia as escadas, na forma do meu irmão gêmeo e seu amigo, “quase-namorado”.

Algumas coisas você não perdoava.

Eles haviam tomado banho, afinal. Provavelmente juntos pelo tempo. Era difícil ter que lidar com tudo aquilo, mas eu havia superado. Eu achava que havia superado. Só era difícil quando eles esfregavam todas as vezes na minha cara.

— O que foi?

— Vocês vão… jogar?

Dava para ver que Mitchell queria se estapear ante a hesitação de Chase.

— Não, Chase. — Eu bufei. — Peguei o PS5 para colocar fogo nele. Claro que vamos jogar.

— Não, o que eu queria perguntar era… — Ele olhou para o sofá, onde Dave e Alex estavam, e de volta para mim. — Eu e Mitchell podemos jogar também?

Minha vontade era de dizer não. De negar, de afastá-lo novamente. Só que… às vezes, você quer tentar mais uma vez. Quer aceitar as oportunidades que são lhe estendidas. E, naquela tarde, com a chuva prestes a cair, eu aceitei mais uma oportunidade do meu irmão me perdoar.

— Podem sim.

Era um caso engraçado. Alex no sofá, Dave espremido ao seu lado, enquanto eu relaxava nas pernas compridas do meu não-namorado sentado no chão; e Mitchell havia tomado a decisão estratégica (ou, acreditava eu, um sermão do meu irmão) para ficar por perto dele no chão, mas longe o suficiente para que fosse “decente”. Alex não parecia se importar com os meus toques indevidos por sua perna. Confesso que eu estava mais preocupado em distrai-lo do jogo do que interessado no jogo em si…

Afinal de contas, estávamos revezando os jogos. Em algum momento percebemos que as opções de jogos de grupo eram um pouco limitadas, então acabamos em um jogo de cozinhar caoticamente, mas era para apenas quatro jogadores. Mesmo revezando, sempre ficava uma pessoa de fora. E aquilo me dava a oportunidade de acariciar a perna de Alex, mesmo com os olhares feios que ele me dava. Eu conseguia sentir os arrepios que causava nele, o que era imensamente divertido.

Cruzei o olhar com meu irmão, e ele pareceu entender algo naquele momento. Fiz um muxoxo, não era para ele ficar me observando, nem me vigiar. Eu não precisava de uma babá a essa altura da minha vida. Se ele podia ficar se agarrando com o namorado no quarto, eu podia muito bem trazer quem eu quisesse para casa. Só ele tinha privilégios naquele lugar?

Foram algumas partidas até que outro barulho nos perturbou, e meu coração congelou. O som de chaves virando, de saltos sobre o piso. Eu não esperava que Nama viesse para casa naquele dia.

— Cheguei — ela anunciou, e analisou com os olhos de águia todos os convidados. Eu retesei as costas no minuto que pôs os pés na casa, e me afastei de Alex. — Vocês têm companhia. — Ela olhou de Alex para Dave. — Que bom.

— Amigos de Jesse — Chase tratou de explicar, para se livrar da bronca. Grande irmão.

Não consegui decifrar a expressão da minha mãe, mas tudo o que ela disse foi:

— Bem, espero que vocês consigam avisar aos seus pais que vão pernoitar aqui, já foi um martírio conseguir chegar debaixo dessa chuva de granizo, imagina tentar chegar na casa de vocês. São bem-vindos se quiserem passar a noite. Vocês já comeram?

Havíamos assaltado o armário de guloseimas, e nosso grupo tinha comprado algumas coisas no mercado, fora as pipocas. Então a fome não era o problema mais urgente.

— Granizo?! — Dave se levantou, e foi olhar a janela.

Alex o seguiu, e os dois constataram o fato de que estavam praticamente ilhados.

Dave começou a respirar mais rasamente.

— Dave, foque em mim — Alex pediu, abraçando Dave. — Foque apenas em mim.

Só vi a cabeça lavanda afundar nos braços de Alex, e por mais que eu soubesse o que era um ataque de pânico, não pude deixar de sentir inveja da calma de Alex ao lidar com a situação; e de Dave, porque era nos braços de Alex em que eu queria estar. Era muito invejável como Alex já parecia saber a rotina, como já sabia apertar os botões e saber como lidar exatamente com Dave.

Queria que alguém me conhecesse tão profundamente daquela forma, que impedisse os meus buracos negros.

queria eu que esse alguém fosse o Alex

— Bem, eu vou me deitar. Vocês estão encarregados de cuidar de seus convidados. Não façam muito barulho. Usem o sofá da sala se for necessário. Mitchell, mande um beijo para seus pais. — Minha mãe sorriu para ele, e passou por nós para ir para o andar de cima.

Chase se aproximou de mim, e falou baixo na minha direção enquanto olhava para Alex, que ainda sussurrava no ouvido de Dave:

— Jesse, está… tudo bem?

— Sim. Aparentemente isso é comum. Dave… não gosta de sentir preso.

— Ah. Entendo. — Ele deu de ombros. — Bem, Mitchell pode dormir na minha cama, e um dos seus convidados pode dormir na… sua. — Ele deu uma nova olhadela para os dois abraçados. — E o outro pode dormir no sofá.

Dave, mais calmo, se afastou.

E Alex, prontamente, disse:

— Eu fico com o sofá.

O que era mesmo aquilo sobre expectativas?

Não crie Sóis com elas.

— Ah, não.

De alguma forma, Dave vocalizou minha própria decepção. A maquiagem dele estava um pouco borrada, mas aquele abraço parecia ter recuperado sua vivacidade.

— Eu não vou dormir com o Jesse, Alex. Não nessa vida, nem na próxima. Se arrume aí pra ficar com seu namoradinho, e pare de evitá-lo.

— Dave.

— O quê…?

— Vocês são namorados? — Chase disse, com um pouco de esperança na voz.

Eu olhei de volta para Alex, que evitou meu olhar. Já que nenhum de nós tinha a resposta para aquela pergunta, ela pesou no ar, cheia de expectativas e sóis e buracos negros.

Eu me retesei.

— Bem, de qualquer forma, eu queria lavar o rosto. — Dave salvou o dia, e me puxou. — Jesse, você pode me emprestar umas roupas pra dormir?

— Claro, claro.

— E quanto a mim? — Alex perguntou.

— Não acho que nada que eu tenha caiba em você, Alex. — Dei de ombros. — Mas posso procurar. Vamos para o meu quarto.

— Mitchell e eu voltaremos para o meu — Chase anunciou.

— Certo. — E eu sorri. — Não faça muito barulho.

Para a minha surpresa, Chase não deixou barato:

— Nem você. Mamãe está em casa agora, lembre-se disso, ela tem sono leve.

Eu corei, porém, não era como se eu não fosse discretíssimo.

Levei meus dois convidados para meu quarto. Dave pela segunda vez, que parecia se sentir muito em casa e começou a fuçar meu armário em busca de uma roupa limpa, a qual pudesse usar para dormir; enquanto Alex admirava a decoração, ou ao menos, a falta dela.

— O que achou?

— Do quê? — Ele se virou para mim.

— Do quarto.

Ele deu uma segunda olhada.

— Bem a sua cara.

Eu cruzei os braços.

— Não sei se isso foi um elogio…

— Não foi uma ofensa. Desculpe. Estou pensando em algo, não tive a intenção de ser rude.

— No que você está pens…

— Achei! — Dave anunciou, tirava do armário um conjunto de peças que eu realmente não me lembrava de possuir. — Preciso de um lugar pra me trocar.

— Você pode se trocar aqui, ué. — Dei de ombros.

— Nem todos partilham do seu amor pela nudez, meu caro modelo vivo exibicionista.

— Eu sou da filosofia de que “o que é bonito é para se mostrar”.

— Bem, eu sou da filosofia de que não quero mostrar todas as minhas cicatrizes e estrias para um bando de macho que não tem interesse em me pegar. Por favor, vocês podem sair do quarto pra que eu possa me trocar? — Ele revirou os olhos.

Ouvi uma batida de leve na porta, e a abri para dar de cara com Mitchell.

Depois de todos esses anos, eu ainda…

— Jesse. — A voz grave dele ecoou pelo meu quarto. — Acho que essas roupas servem no Alex. Prometo que estão limpas. E são confortáveis.

Alex se adiantou vindo atrás de mim.

— Ah, muito obrigado!

— De nada. — Mitchell não sorriu. Era muito difícil ele sorrir para qualquer pessoa, a não ser Chase. Era como se reservasse sua felicidade para apenas uma pessoa em específico. — Chase pediu pra avisar que está arrumando o sofá pro Dave também.

— Seu irmão é meio que incrível, viu, Jesse.

— Ele é.

E Mitchell deu um leve sorriso.

Droga.

— De qualquer forma, muito obrigado por hoje, Jesse. Foi muito importante pro seu irmão.

— Certo. — Minha expressão estava fechada. — Temos que manter Chase feliz, não é mesmo?

— Jesse…

— Você já pode ir embora, Mitchell.

Ele assentiu e fechou a porta atrás de si. Alex olhou para mim, e para Dave, e apenas bagunçou os meus cabelos.

— Vamos sair para que Dave possa se trocar? Você pode me levar pra um banheiro?

— Claro, claro. — Abri a porta de novo, e com uma piscadela, Dave a fechou.

Eu guiei Alex para o banheiro perto da escada, e ele entrou sozinho; eu me escorei contra a porta.

Era difícil quando as memórias ameaçavam borbulhar de voltar. Como um cometa, mãos agarrando cinturas, o gosto ácido de bebida em lábios, e o olhar de decepção…

A verdade era que somente eu tinha me colocado naquela posição, e eu havia complicado tudo desnecessariamente.

E era tudo culpa minha.

Dave saiu primeiro do quarto e foi em minha direção. Era muito estranho vê-lo com mangas curtas. Acho que era a primeira vez que o via daquela forma, e sem o binder também, que ele carregava em mãos, junto com suas roupas. Ele parecia estar um tanto desconfortável de uma forma geral.

— Você está bem?

Ele negou com a cabeça.

— É sempre assim num lugar novo?

— Eu tento me distrair… — Dave deu de ombros. — Mas às vezes é um pouco demais. Desculpa. Será que eu posso ficar jogando um pouco sozinho enquanto tento dormir? Acho que vai tirar minha cabeça dos pensamentos piores.

— Claro que pode.

— Prometo que coloco em um volume baixo.

— Não precisa se preocupar com isso…

E sem esperar uma resposta, Dave desceu as escadas e foi em direção ao andar de baixo e para a sala. Então era por isso que ele queria ficar com o sofá.

Bem, cada um com seus próprios buracos negros.

Alex deixou o banheiro alguns minutos depois.

— Dave…? — foi sua primeira inquisição.

— Já foi se deitar.

— Ah, claro. — Ele segurava as próprias roupas, as mãos estranhamente tensas. — Vamos dormir, então.

Admito que tinha um pouquinho de expectativa ali. Um raio de Sol. Era a sensação que Alex me trazia. Um calor igual a uma tarde de verão passada sobre a grama, então admiro que sim, quando entrei naquele quarto, estava pronto para tentar não fazer barulho algum para acordar a minha mãe. Para ser beijado, como fora na porta de entrada. E talvez algo a mais.

Mas Alex simplesmente colocou suas roupas em cima da escrivaninha, sentou-se na cama, pôs o celular ao lado da cabeça no travesseiro, e deitou-se. Tudo isso sem sequer olhar para mim. Eclipsando-me.

— Alex?

Ele não respondeu de imediato, como se considerasse que a resposta para aquela pergunta tivesse várias camadas.

— Jesse…

— Hm?

— O que nós somos?

A pergunta pairou sobre nós como uma nuvem pesada de granizo, cheia de raios, pronta para um ataque. Eu fiquei quieto, atingido por uma eletricidade. O que nós éramos? Eu não sabia. Eu não sabia. Eu não sabia. Minha respiração travou, e não conseguia sequer pensar, quanto mais falar.

Eu quero algo com Alex?

Bem, eu não, não quero.

Mas…

Seria Alex o suficiente?

Não sabia quanto tempo fiquei em silêncio, mas ele me cortou antes que eu pudesse dizer algo.

— Ah, não se preocupe. Vamos dormir. Boa noite, Jesse.

E se virou de costas para mim. Eu permaneci na porta, e subitamente preso também no tempo. Estaria ele chateado comigo? Teria eu feito algo de errado?

Sentei-me na cama, próximo ao seu corpo, e busquei sua coxa nua com a mão. Alex foi rápido em tirá-la de mim.

— Hoje não, Jesse.

E aparentemente era final. Revi todas as minhas ações no dia, e não percebi nada de errado nelas. Fora alguma palavra errada? Foi o fato de meu irmão ter jogado com a gente? O namorado dele? Teria ele percebido algo? Teria ele notado… foi minha culpa? Foi, mais uma vez, minha culpa?

Sem respostas, tentei me deitar a seu lado e tocá-lo, mas ele se afastou um pouco mais. Ali estava Alex: a pessoa que, apesar de não compreender ainda a vastidão dos meus sentimentos, era quem eu mais queria no momento.

E ele me rejeitava.

Não sei precisamente quanto tempo fiquei ali, no escuro, olhando suas costas. Só sei que, quando meus olhos começaram a arder, decidi que não queria que ele me ouvisse chorar, e me levantei, pronto para fugir. Pronto para ir embora. Para algum lugar. Não poderia usar a janela, então iria usar a porta de entrada. Qualquer lugar menos o berço de supernovas.

Ou iria ser esmagado bem ali.

Quando desci as escadas, ouvi o barulho bem baixinho do videogame, e aquilo atraiu a minha atenção. Não fazia ideia de que horas eram, porém, eu não era o único insone. Com essa certeza, eu desci as escadas e fui em direção ao sofá.

Dave estava sentado na cama improvisada e jogava no PS5, vidrado na TV. Ele não pareceu surpreso ao me ver e se sentar ao seu lado, apenas suspirou:

— É, noite daquelas.

Eu não respondi, apenas abracei minhas pernas e olhei de soslaio, enquanto Dave batia nos inimigos sombrios com sua espada em forma de chave.

— Vocês brigaram?

— Não sei.

Ele me olhou e, de alguma forma, eu sabia que ele me entendia.

— Acho que não saber é pior do que saber, né?

— Ele é sempre assim?

— Alex é uma pessoa difícil. Eu considero, na verdade, as pessoas um grau de dificuldade muito grande. Por isso prefiro bichos. Tente explicar isso na terapia e receba um sermão por horas sobre ansiedade social.

— Entendo. — Mas na verdade, não entendia não.

Nunca havia feito terapia, ou chegado perto de um terapeuta. Havia chupado um psicólogo uma vez, aquilo contava?

— Acho que parte da culpa é minha. Eu que elevei suas expectativas.

— Não, não foi…

— Foi, pode admitir. Você estava praticamente esperando um pedido de namoro.

Fiquei em silêncio, mas, no fundo, era um pouco de verdade.

— Não sei se aceitaria — confessei.

— Bem, isso é algo a se discutir. É por minha causa?

— Em parte. Se estamos sendo francos… por que Alex é tão superprotetor com você? — A cena do ataque de pânico me veio à mente. — Foi por causa do incidente com a gangue?

Dave olhou para mim e pausou o jogo. O pequeno avatar começou a girar repetidamente.

— Ah, isso certamente ajudou. Mas Alex se culpa porque eu fui estuprado aos treze anos pelo tutor que ele indicou; e, aos dezesseis, eu tentei me matar na frente dele.

— O quê…

Ok. As coisas escalonaram rápido demais, especialmente pelo modo que Dave falava como se fosse uma de suas histórias, algo que acontecera a outros e não consigo mesmo. Meu choque era tanto que não conseguia formular uma frase sequer, quanto mais um pensamento. Do mesmo jeito que uma metralhadora, Dave continuou atirando projéteis de culpa.

— Era um amigo dele, do grupinho punk e tal. Estava precisando do dinheiro. Eu era um alvo fácil. Estudava em casa, não tinha amigos, fora os virtuais. Dá nojo a forma como ele me tocava, como ele entrou na minha vida e ninguém percebeu. Como eu não deixei ninguém perceber…

Ele esfregou os pulsos e eu reparei a grande cicatriz que cortava sua pele.

Merda.

Era verdade, né?

— Bem, Alex tem alguns motivos para ser superprotetor. Mas prometo que não há sentimentos românticos entre nós agora. Somos apenas amigos. Ele me ajuda, e eu tento recompensar toda a ajuda imensa que ele fez na minha vida tentando trazer um milésimo da felicidade e gratidão que ele trouxe para a minha. — Dave sorriu. — Prometo que vou conversar com ele e tentar descobrir o que aconteceu. Quando ele está pensativo, ele tende a se fechar mesmo; e eu realmente torço para que vocês dois fiquem juntos. Sério. Eu não vejo problema nenhum nisso.

Minha respiração estava pesada. Era muita informação para se processar. Então Dave havia sido estuprado e havia tentado se matar? E, ainda assim, conseguia torcer pela minha felicidade e a de Alex, como… como alguém conseguia ser assim? Era como um Santo na Terra, incapaz de cometer erros ou falhas. Aguentava qualquer martírio. Um verdadeiro Jó.

Era impossível.

Eu não era capaz de ser uma pessoa igual, ou ao menos digna.

Enquanto Dave era capaz, mesmo com todos os seus problemas, de continuar sendo uma pessoa gentil e capaz de perdoar; eu era incapaz de perdoar as pessoas

mitchell

kurt

meu pai

por continuamente me abandonarem, e me afastava das pessoas que tentavam, com afinco, chegar perto de mim. Porque eu não prestava. E isso era um fato inegável, uma verdade absoluta que pairava no universo, assim como a Lua orbitava a Terra. E eu não tinha a capacidade de mudar.

Ficaria preso no frio da galáxia, e explodiria como uma supernova.

(levando todos consigo, deixando um buraco negro no lugar)

Não sei como deixei a sala depois daquilo. Devo ter dito boa noite a Dave e voltado ao andar de cima em silêncio, com o cuidado para não implodir no meio do caminho. Buracos negros costumavam levar tudo consigo quando explodiam, e eu sabia que aquelas pessoas não mereciam aquilo.

Quando eu cheguei no quarto, eu parei um pouco na entrada, e encostei minha testa na porta. Minha respiração estava pesada, e eu queria, mais do que tudo, chorar. Gritar, espernear, explodir. Implodir.

Não fiz nada disso.

Ao invés disso, fiquei parado em frente à porta, com a respiração pesada, tentando não pensar, mas os pensamentos me invadiram mesmo assim.

Abracei-me e arranhei, com força, meus braços, criando veios vermelhos na superfície do meu planeta, o que costumava me aterrar. Claro, aquilo não era nada saudável, porém, era melhor do que explodir externamente. Era melhor do que preocupar os outros.

— Jesse?

Ergui a cabeça e os olhos verdes de Alex encontraram os meus, cheios de preocupação; e o cigarro aceso nos dedos denunciava que o Deus do Sono não havia visitado aquela casa naquela noite.

— Jesse? Está tudo bem? — ele repetiu, e eu apenas conseguia focar no âmbar aceso na ponta do cigarro, que queimava e queimava, e em como eu queria queimar junto, me tornar cinzas e esquecer de todos os meus problemas; ser fumaça aspirada pelos pulmões de Alex, e quando ele findasse seu último suspiro, eu morreria junto com as células dele.

Era um pensamento meio mórbido.

Não consegui pronunciar uma palavra sequer. A visão de Alex em minha frente era tanto aterradora quanto o que eu esperava ver. Quase como uma prece. Um pequeno foguete lançado ao espaço em busca de vida inteligente. E como eu queria sentir isso: vida.

Eu queria uma prova que existia uma fagulha de vida ainda dentro de mim. Uma forma de comprovar que os pensamentos que preenchiam a minha mente não eram a verdade absoluta, e talvez uma maneira de os afastar. Uma esperança escapou dos meus dedos em um toque agressivo em minha pele, e Alex a segurou. O cigarro ficou pendurado em seus lábios, então caiu e se apagou.

E eu caí junto.

— Como você consegue? — Aquele eco amargo e vazio não era meu.

Não mais alto que a minha respiração. Um vento frio a sair de mim, iluminado pela parca luz estroboscópica que vinha das escadas; que tocavam o verde dos olhos de Alex e os transformavam em imagens cintilantes de estrelas cadentes azuis, vermelhas e incertas. Já eu, ficava bem com a noite. Nunca tive medo dela e de seus perigos. O que eu tinha medo era…

— Do que você está falando?

— Como você consegue aguentar tudo sem quebrar? — cuspi as palavras. Os ventos da tempestade,

supernova,

e eu queria me derramar, implodir, explodir, gritar, espernear, correr e me libertar daquela dor. Como eu queria me despejar por inteiro naquela pessoa. Aquela constatação me assombrou. Alex tinha aquele tipo de atração magnética. Ele era o tipo em que as pessoas depositavam seus medos e esperanças; e ele os absorvia e apoiava sem questão alguma. Era por isso que Dave ainda estava com ele. Era por isso que Alex era tão superprotetor.

Então, por que eu sentia tanta…

Inveja?

Queria que ele olhasse apenas para mim?

Queria aquele carinho direcionado apenas para a minha pessoa?

Senti uma leve pressão sob meu queixo e fui forçado a erguer o olhar. Alex me inspecionou.

— Jesse? Está tudo bem? Você está estranho.

E numa erupção, as palavras saíram uma atrás da outra, suas formas cortaram a minha garganta; e quanto mais eu falava, mais eu sangrava:

— Eu sei de tudo. Dave me contou o que aconteceu com ele. Com vocês; o motivo de você ficar tão em cima dele. Eu sei. Eu não sei o que fazer, eu… eu não entendo.

Alex abriu a boca, e antes que ele pudesse me rejeitar, antes que as palavras dele me cortassem, eu corri. Ao menos, tentei correr. Meus passos começaram a me levar escada abaixo de novo, mas mãos firmes me agarraram pelos braços; e uma breve lembrança de uma noite de chuva preencheu as nossas mentes, quando nossos corpos se encontraram. A fagulha acendeu mil Sóis e mil esperanças.

Ficamos assim parados, nossas tempestades se encontrando. Eu não ousava encontrar seu olhar, essa coragem correra escada abaixo e saíra pela porta. O enlace de Alex era carinhoso e desesperado ao mesmo tempo. Nós caímos no silêncio da noite; e quando ele me pegou pela mão e me levou pela janela e para o telhado, eu aproveitei o frio para não pensar.

Alex me puxou contra seu corpo e ficamos abraçados. Minha respiração começava onde a dele terminava, e demorou alguns minutos até que ele falasse.

— Eu sinto muito.

— Por quê?

— Eu não sei exatamente o que Dave contou pra você, mas não é a verdade. Ele tem a mania de… contar histórias de vez em quando. E isso afeta a maioria das relações dele. Eu tenho que ficar de olho nessa mania dele. Achei que tinha melhorado depois de ter conhecido você. Acho que me enganei…

Ele deixou um suspiro escapar, e me apertou em seguida.

— Por que ele mentiria sobre isso?

— Não sei. Mas vai ficar tudo bem. — Um novo aperto.

Fechei os olhos e escutei seu coração. As batidas eram um embalar cósmico doce de perdão. Eu me encontrava confuso, excitado e carente; contudo, Alex conseguia me trazer uma sensação de paz inigualável. Eu encostei a cabeça em seu pescoço, me encaixando contra suas formas. Quase não ouvi sua última frase.

— Vou fazer tudo ficar bem.

E aquela promessa não me pareceu vã.

Só abri os olhos quando o Sol finalmente nasceu.

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