capítulo 11
colapso
Kurt: Cadê você, sumido? Puteando por aí? Hayley: Jesse, você vem para o jantar de Natal? Por favor, todo mundo tá te esperando! Papai mudou de ideia quanto a você, eu juro. — Você também recebeu? Eu estava no meu quarto. Faltavam três dias para o Natal, e eu ainda não tinha decidido se respondia ou não a mensagem da minha meia-irmã. Assuntos sem resolver continuavam do mesmo jeito: problemas ladeira acima. Minha mãe havia organizado uma pequena festa para os companheiros de trabalho na véspera, e nós éramos esperados para comparecer, mesmo que nem por uma hora, nas palavras dela. Depois, estávamos livres para fazer o que quisermos. Aquilo era menos sofrido do que tentar uma aproximação com meu pai. — Recebi. — A cara de pau nem arde, né? — Ela é legal, Chase. Ele suspirou e passou a mão pelos cabelos, denotando nervosismo. — Eu sei. Mas é difícil, especialmente com toda a situação. Preferia tê-la conhecido de outro jeito. Não sei se vou conseguir aceitá-la nunca em minha vida. — Assim como não vai conseguir me perdoar? Mas ele sorriu. — Eu já te perdoei, irmão. Aliás, falando nesse assunto, eu queria discutir algo com você. Odiava quando as pessoas falavam que queriam discutir algo comigo e simplesmente pausavam, ou olhavam o celular, como era o caso de Chase. Eu ficava completamente perdido e ansioso, e mil cenários começavam a aparecer na minha mente. Mas ele foi gentil e parou para me encarar, com um sorriso ainda mais largo no rosto. — Eu e Mitchell vamos sair do armário pra mamãe. — Para Nama? — Sim. Dois sentimentos me atingiram: ciúmes inveja Ciúmes por causa de Mitchell e Chase, separadamente. Mitchell porque, um dia, ele me fez uma promessa, e agora, a cumpria com Chase. Chase, por ser meu irmão, e ter achado um rapaz que o fazia feliz. Inveja… porque eu nunca teria aquilo com Alex. Eu sempre seria seu segredo. Eu sabia que não era de propósito, lógico. No entanto, se aquelas últimas semanas provaram algo, é que Alex não tinha a intenção de me declarar como seu para o mundo. Ele estava muito confortável em manter nossa relação em segredo. Eu não queria nenhum outdoor, porém, queria chamá-lo de meu namorado, e fazer coisas juntos. Mas não. “Dave era muito frágil”, ou “o momento não é propício”. Quando o momento seria? Eu não sabia. E, francamente, aquilo me corroía a cada dia. Mas, de novo, apenas olhei para Chase e sorri. — Que bom pra você, irmão.Véspera de Natal. Data aconchegante para namorados passarem juntos. E o meu namorado estava na casa de Dave. Alex: Prometo que vou passar aí amanhã e iremos sair, era o que a mensagem dizia. Eu te amo. E um emoji de coração. Mas não tinha sentimento algum, e eu estava cansado de ser preterido. Eu nunca seria o número um da vida do meu namorado, e teria que lidar com isso ou me separar dele. O que era uma pena, porque eu o amava. Droga. Por que relacionamentos eram tão difíceis? — Que cara feia é essa, filho? Minha mãe se aproximou com uma travessa de salgadinhos. Ela se divertia bastante, e estava trajada como Mamãe Noel; todos os colegas de trabalho dela estavam ou bêbados, ou conversando mais alto que a música natalina do local. Eu estava emburrado em um canto. — Nada, mãe. — Coma algo, isso tem cara de fome. — Mãe… Chase apareceu do nosso lado, e eu soube que esse era o momento. — Mãe, pode ir conosco pra a cozinha? Ela assentiu, e fomos. Eu fiquei mais perto da porta, mordiscando um salgado, enquanto Chase sentou com nossa mãe e começou: — Mãe, tá, eu imagino que a senhora esteja se perguntando o porquê de eu tê-la chamado… — Você quebrou algo? — Não, espera… — Tem alguém doente? Alguém morreu? — Mãe, não. — Então para que todo esse enxame, menino? — Mãe… eu e o Mitchell estamos namorando. Ela ficou em silêncio por alguns minutos. Olhou de mim para Chase, e quando finalmente disse algo, foi com um leve sorriso no rosto. — Ai, ai, vocês, meninos… deveria ter imaginado. Ele te faz feliz? — Como ninguém nunca fez. — Que bom. A partir de agora ele está proibido de dormir aqui. — O quê?! — Minha casa não é um antro de putarias, Chase. — Mas mãe… — Eu nem quero saber o que vocês fazem naquela cama. Você vai lavar seus lençóis a partir de agora. — Mãe! E ela se virou para mim, acusatória. — E você, tem algo para me contar? Eu olhei, minha boca se abriu e por favor, não vamos contar a ninguém — Não, senhora. Não tenho.
interlúdio
Minhas lágrimas corriam por rios, e preenchiam aquele apartamento, sufocando-me e afogando-me. Em breve, seria levado pela correnteza. eu vi você cair — Não… por favor, não continue. Eu não quero lembrar mais. — Foi você quem escolheu revirar o passado. E, no fundo, não importa. Foi você quem me deixou cair.Aquela casa ainda me assustava, depois de tanto tempo. Número onze da rua das Margaridas. Ele tinha câmeras na varanda, por isso tinha me visto da primeira vez. E desta, foi Hayley quem abriu a porta e me recepcionou, animada. — Jesse! Que bom que veio! — Quase não vim, pra falar a verdade. — Chase não quis vir, né? — Você o conhece. Ela suspirou, mas me deixou entrar mesmo assim. Começamos a falar sobre uma série que assistíamos juntos antes daquilo tudo, e ela me levou para a cozinha, onde a mãe dela cozinhava. Lucinda era uma mulher séria, e que dificilmente você cruzava o caminho dela. Ela colocava meu pai na linha, e eu tinha muito medo dela na infância. Extremamente religiosa também. Quem enfeitara a casa de símbolos religiosos fora ela, especialmente agora, na época de Natal. — Jesse. — Ela pegou na cruz que carregava no peito e depois me abraçou. Mas bem brevemente, e voltou a lavar as mãos e cozinhar. — Que bom que veio, menino Jesus te trouxe aqui. — É… — Dei de ombros. — Pode ir para a sala de jantar, seu pai está lá, eu já vou servir o jantar. Segui para a sala com Hayley a tiracolo, e vi o homem imenso aterrorizante amedrontador sentado, lendo algo no celular. Ele não sorriu ao me ver. — Está mais magro. Aquela mulher não te alimenta direito? — Ah, pai. — Você tem que malhar mais, senão fica parecendo uma maricas. — Pai… — Hayley veio em minha defesa. Fiquei calado e sentei-me à mesa. Eu não queria estar ali, mas eu ainda queria tentar. Eu convivi com aquelas pessoas por tanto tempo, e elas eram a minha família, para o bem ou para o mal. E talvez ainda houvesse esperanças. — Certo, certo, vamos comer. Lucinda pôs a comida, e começamos a nos servir. Ela nos parou, no entanto. — Precisamos orar ao Senhor. Bem, tinha isso. Demos as mãos, embora fosse extremamente enfadonho de minha parte. Eu sabia a letra, mesmo assim, apenas murmurei a oração enquanto Lucinda era a voz mais presente; embora meu pai também estivesse bem emocionado. Comemos em silêncio, até que notei que meu pai me encarava, um pouco emocionado. Era estranho. Meu pai não se emocionava por muitas coisas, ele não era de chorar em público. — Pai? — Jesse… eu estava pensando. Eu estive errado esse tempo todo em te expulsar de casa. Meu coração começou a acelerar. Um arco de redenção? Seria possível? Era realmente um milagre de Natal. — Queria que seu irmão estivesse aqui, porque preciso dos dois aqui comigo, e vocês precisam de uma figura paterna que preste. Não sei que tipo de homens Nama traz para a presença de vocês, mas eu sempre tentei ser um pai presente, um macho viril. E agora que vocês estão doentes… Doentes? — Mas eu não estou doente, pai. Ele colocou uma mão sobre a minha. — Acalme-se, filho. É o demônio dentro de você falando. Não se preocupe. Vamos tirá-lo de você, e você voltará a ser meu filho. Meus olhos se arregalaram e eu me afastei dele. — Eu não estou doente por ser gay, pai. — Está sim! — A voz dele reverberou pelo eco da sala de jantar, e eu me encolhi quando ele bateu a mão na mesa. — Você está doente! Aceite que vamos te curar! Eu me levantei, mas meu pai também o fez. — Acho melhor eu ir… — Você não vai a lugar algum. E me puxou pela manga do meu casaco. Meu pai sempre foi mais forte do que eu, mesmo assim, eu lutei. Tentei me desvencilhar, correr, chutar, morder. Porém, ele era uma força imparável, e antes que eu visse, estava de volta ao meu quarto, com as minhas coisas; só que, dessa vez, tinha uma tranca que eu nunca vi antes em minha porta. E fiquei preso dentro do que antes era meu pequeno pedaço do universo. Olhei em volta do quarto escuro. Os meus vários funkos, minhas figures e meus livros, todas as coisas que um dia compuseram o meu ser, mas que, agora, pareciam apenas uma memória distante de uma outra pessoa. Com meu pulso acelerado, eu só pensava em escapar dali. Tentei a janela e ela também estava trancada. Peguei meu celular e tentei ligar para Alex. Caixa postal. Droga, Alex, isso era hora para seu celular estar descarregado? Ele já devia ter comprado outro! Liguei mais uma vez e nada. Liguei outra, e ele atendeu, mas, dessa vez, alguém desligou a ligação. O peso da traição caiu em meu estômago. Ótimo. Eu estava sozinho nessa. Olhei pela janela e vi a salvação: a janela do vizinho acesa. Liguei para o outro número que costumava me salvar nessas horas. — Oi, sumido. — Kurt, caralho, vem pra minha casa. — Ei, teu pai é do caralho, você quer ser morto? Não lembra quando ele te pegou comendo o Mitchell? Eu murmurei baixinho: — Não é pra isso, meu pai acabou de me prender no meu quarto e ele falou que quer me converter, sei lá, eu só sei que estou preso e preciso sair. Venha me salvar, por favor? — Puta que pariu. — Ouvi ele se levantar e revirar o quarto. — Tô indo sim. E em poucos segundos, do lado de fora da minha janela, estava o homem. No escuro, ele parecia um trombadinha; especialmente porque segurava um kit de ferramentas, e, com ele, conseguiu abrir a janela pelo lado de fora. — Obrigado — murmurei, já liberto. — Agradeça na minha casa, precisamos correr ainda. E em silêncio, descemos a trepadeira e corremos até a casa de Kurt, a adrenalina em minhas veias explodia e criava estrelas. Eu respirava fundo, na tentativa de recuperar meu fôlego no quarto de Kurt; e pensei em como aquela situação toda ficou daquele jeito. Eu nunca mais poderia falar com meu pai, ele era um louco. Eu só sentia pena de Hayley, porque ela ficava ainda no domínio dele, e era filha dos dois. Nunca poderia sair plenamente do convívio com eles. — Que maluquice… — eu disse, e então, Kurt me beijou e me prendeu contra ele. Senti o gosto de álcool e más decisões. Não correspondi ao beijo, mas não o afastei, pois estava em choque. Kurt continuou em cima de mim, e começou a me levar para a cama. — Não, Kurt. — Não? Conta outra. — Ele riu, e começou a beijar meu pescoço. — Vamos, não foi excitante escapar das garras do seu pai conversor de gays? Vamos provar para ele que não existe coisa melhor. Vamos gravar e mandar para ele, que tal? — Para, Kurt. — Vamos, loirinho. Você sempre diz ‘não’, mas sempre quer no final. Por que agora é diferente? E ele me deitou na cama, e eu encarei o teto estrelado e vazio, assim como meu interior.